Pronunciamento

Padre Pedro Baldissera - 026ª SESSÃO ORDINÁRIA

Em 23/04/2003
O SR. DEPUTADO PEDRO BALDISSERA - Sr. Presidente, Sras. Deputadas e Srs. Deputados, gostaria, inicialmente, de trazer para esta tribuna, nesta tarde, um assunto bastante polêmico, mas importante para que possamos fazer uma profunda reflexão e um profundo estudo para que realmente nós, enquanto Parlamentares, possamos contribuir na busca de uma solução para a problemática que o povos indígenas e os agricultores vivem no nosso Estado de Santa Catarina.
Antes de entrar propriamente no assunto, já que meu nome foi mencionado desta tribuna pelo Deputado João Rodrigues, gostaria de dizer a S.Exa. que às vezes é importante podermos nos compenetrar, podermos nos revestir de um pensamento mais otimista, mais forte, mais firme, e fazermos desta tribuna um momento de construção de uma sociedade em que possa existir a inclusão das pessoas.
Se a mencionada lei do Código Penal tem sido motivo de constrangimento ou de revolta, posso dizer ao nobre Deputado que se talvez tem servido, que possa fazer um bom uso e que o artigo do Código Penal possa ser um instrumento de proporcionar mais vida e mais dignidade.
O tema ao qual tenho me referido é sobre a questão que envolve pequenos agricultores e também os povos indígenas.
Nesse sentido, gostaria de fazer um profundo estudo. É o momento de buscarmos elementos históricos, científicos, e não fazemos discursos oportunistas. Não é isso que queremos! Queremos buscar o quê? Uma alternativa e uma saída para a situação que aí está colocada.
O Sr. Deputado Onofre Santo Agostini - V.Exa. nos concede um aparte?
O SR. DEPUTADO PEDRO BALDISSERA - Pois não!
O Sr. Deputado Onofre Santo Agostini - Só para contribuir com V.Exa., quero dizer que no ano retrasado, por solicitação do Bispo de Chapecó, Dom Manuel, se não me engano, e de algumas lideranças, fez-se aqui na Assembléia Legislativa, com a participação da Procuradoria-Geral da República, com os professores da universidade, com aquelas pessoas especializadas em terras indígenas, com toda a participação de Deputados e com a sociedade, um grande debate.
E esses documentos, Deputado Pedro Baldissera, se encontram nos Anais desta Casa e seriam útil a V.Exa., haja vista que naquela ocasião eu, que à época era o Presidente, encaminhei essa documentação ao Ministro da Justiça e ao Presidente da República para que tomassem as providências, já que não se sabia qual o rumo a tomar, qual a decisão a tomar.
E concordo com V.Exa.: há agricultores que são proprietários daquelas terras há mais de 70 anos e têm a escritura registrada. E há a comprovação, por outro lado, que havia na região povos indígenas. Portanto, era tumultuado.
Mas, sobre essa audiência pública, se V.Exa. assim desejar, podemos fazer a solicitação para que o ilustre Deputado possa se inteirar bem dessa audiência pública, que diz respeito a esse movimento liderado por Prefeitos do Oeste, junto com o Bispo Dom Manoel. E até houve um atrito do Bispo com o Deputado Milton Sander.
Mas, enfim, trouxe à luz deste Poder esse documento que, sem dúvida nenhuma, vai ser muito útil ao ponto de vista de V.Exa.
O SR. DEPUTADO PEDRO BALDISSERA - Agradeço a V.Exa. pela informação.
Com certeza, vamos fazer um requerimento solicitando esse material, pois será de grande importância para a compreensão, o entendimento daquilo que estamos nos propondo buscar: uma alternativa, uma saída.
(Passa a ler)
Desde 1998 os povos indígenas tiveram garantido e reconhecido os seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, de acordo com o que consta o ar. 231, da Constituição Federal.
Do mesmo modo, a mesma Constituição impôs à sociedade o respeito à ‘diferença cultural e lingüistica’ desses povos. E ainda fixou limites para exploração econômica de recursos hídricos e minerais em terras indígenas.
Atividades dessa natureza somente podem realizar-se mediante autorização legislativa procedida de ‘obrigatória consulta’ aos povos atingidos.
A Constituição Estadual, no seu art. 192, seguido do parágrafo único, corroborou em seu inteiro teor a normatização instituída na Carta Magna.
Desde a vigência da nova Constituição até esta data, o Ministério da Justiça, através da Funai, mobilizou e mobiliza um cem número de instituições de pesquisa, técnicos e cientistas, com o propósito de identificar as áreas existentes em território nacional, tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas para fins de assegurar a demarcação e a efetiva posse dos índios sobre elas.
Em Santa Catarina tais estudos tem apresentado resultados que parecem suscitar dúvidas e polêmicas.
Primeiro, gostaria de dizer que estudos e pesquisas realizadas por técnicos e cientistas qualificados para esse fim, não podem despertar dúvidas de leigos, salvo quando decorrentes de novos estudos e novas pesquisas que de forma aprofundada, trazem à luz do debate novos elementos.
Desta forma, Sr. Presidente, Sras. Deputadas, Srs. Deputados, não há como contestar a legitimidade da posse pelos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam quando tal decisão está amparada em lei e fundamentada em parecer, fruto de estudos e pesquisas realizadas por antropólogos, indigenistas, arqueólogos, especialistas da área afins sob pena de estarmos, nós, afrontando direitos.
E, o que seria mais grave, estarmos também afrontando a Constituição pela prática de genocídio contra uma civilizaç1ao historicamente usurpada em suas terras, costumes, línguas, valores éticos e culturais.
Poucos divergem desse entendimento. Entre esses poucos estão os que pouco ou nada entendem do assunto, incluindo-se aí os que permanecem alienados em relação ao processo civilizatório ocorrido neste País. Divergem também os reacionários, os conservadores, além, é claro, os oportunistas, que assim agem por conveniência eleitoral.
Se é verdade que os povos indígenas são vítimas de longa data do processo civilizatório brasileiro a que me referi, também é verdade que a irresponsabilidade do Estado e a ganância da especulação imobiliária produziram vítimas mais recentes.
Já há algumas décadas, centenas, para não dizer milhares de famílias de pequenos e médios agricultores catarinenses são portadoras de títulos de propriedade, legítimos até a promulgação da nova Constituição de terras, que outrora eram ocupadas por povos indígenas.
Por certo, não foram esses agricultores os agentes ativos do processo que deu causa a danos materiais e culturais contra os indígenas, no mínimo, são terceiros, de boa fé, que no desejo de construir seu futuro acabaram envolvidos numa questão em que o verdadeiro culpado, assim como Pilatos, lavou e lava as mãos.
No século passado o Estado privatizou terras, quando promoveu a colonização de algumas partes do território catarinense, que deveriam ter permanecido em mãos indígenas.
Portanto, o Estado, verdadeiro causador das disputas de hoje por haver, digamos assim, presenteado colonizadoras com um bem indisponível, deve assumir o ônus quanto a justa indenização de terras e de benfeitorias de terceiros de boa fé, e que tenham suas áreas legítima e legalmente reintegradas ao domínio dos povos indígenas.
Sem maniqueísmo, podemos resolver o problema com diálogo, proposições factíveis e assunção de obrigações por quem de direito.
Não se trata de botar culpa neste ou naquele Governo. Trata-se de escrever o último capítulo de uma novela que se arrasta por décadas."
Neste sentido, Sr. Presidente, é assunto polêmico, mas temos de chamar para o debate, para a reflexão e para o compromisso o Estado, porque no princípio as terras pertenciam à União; foram colocadas nas mãos do Estado, e este, por sua vez as têm colocado nas mãos das colonizadoras, e essas as venderam. E os agricultores são considerados aqui, nesta reflexão e nesta perspectiva, como terceiros de boa fé. Temos de buscar justiça nesta situação.
Não queremos polemizar mais ainda o assunto, mas queremos buscar uma alternativa, uma saída, porque não podemos colocar os nossos agricultores, que ano após ano, 30, 50, 80 anos ou mais, construíram, serem marginalizados.
Sabemos que a Funai está demarcando as terras, e enquanto isso os agricultores vêem o seu lar, a sua propriedade sendo ameaçada. Eles buscam uma alternativa para essa situação que estão enfrentando.
Por isto, enquanto Parlamentar, gostaria de pedir o empenho de todos os Parlamentares, pois encaminhei a esta Casa uma proposta de emenda à Constituição Estadual, ao art. 148, fazendo acréscimo a um inciso, onde pedimos o reassentamento e ou a indenização dessas terras, porque onde são reconhecidas, automaticamente a Funai vai demarcando-as e vão se tornando propriedades dos próprios índios, e os agricultores não podem ficar de mãos vazias.
É preciso, juntamente com o Governo do Estado e o Governo Federal, buscarmos uma alternativa, uma saída para essa situação polêmica e difícil entre os povos indígenas e os agricultores.
Muito obrigado!
(SEM REVISÃO DO ORADOR)