Pronunciamento

Cesar Valduga - 003ª SESSÃO EXTRAORDINÁRIA

Em 15/04/2015
O SR. DEPUTADO CESAR VALDUGA - Muito obrigado, sr. presidente, quero cumprimentar v.exa., os srs. deputados e a população catarinense que nos acompanha.
O que me traz à tribuna é referente ao Projeto de Lei n. 4.330, projeto esse que precariza e rebaixa a condição de trabalho de milhares de brasileiros. Como nós estamos acompanhando, deputado Kennedy Nunes, a Câmara de Deputados está debatendo e prestes a aprovar, no dia de hoje, já que tramita e poderá ser votado o projeto que amplia os casos em que pode ocorrer terceirização no Brasil.
O Projeto de Lei n. 4.330, de autoria do deputado federal Sandro Mabel, pretende legalizar a contratação de prestadoras de serviços para executarem as atividades-fim em uma empresa.
Como bancário entendo que a regulamentação da terceirização, da forma em que foi proposta, não busca o aumento da produtividade ou da competitividade. Busca, sim, tão somente um aumento nas taxas de lucro através do estrangulamento do trabalho.
A precarização das condições de trabalho e de emprego associada à terceirização é evidenciada em diversas pesquisas, entre elas, um amplo estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos - Dieese. A pesquisa destaca pelo menos três indicadores relevantes das condições de trabalho que reforçam que a estratégia de otimização dos lucros via terceirização está, fortemente, baseada na precarização do trabalho.
A pesquisa aponta que o trabalhador terceirizado trabalha três horas a mais por semana e recebe 27% menos que um empregado direto. No setor elétrico, por exemplo, a taxa de mortalidade de um funcionário de uma prestadora é três vezes superior ao de um trabalhador de uma empresa contratante.
A terceirização também significa o aumento da rotatividade, que vem aumentando ano após ano. Hoje, ela está em torno de 57%, mas alcança 76% no setor de serviços. O Projeto de Lei n. 4.330 prevê a chamada "flexibilização global", um incentivo a essa rotatividade e consequente insegurança para os trabalhadores.
Quando analisamos as condições do ambiente de trabalho, o terceirizado lidera o ranking das doenças ocupacionais, dos acidentes de trabalho e até os de óbitos. O estudo do Dieese revela que a cada dez acidentes de trabalho, oito acontecem entre os terceirizados.
Entre 2010 e 2013, nas dez maiores operações de resgate de trabalhadores em situação análoga a escravidão, quase 3.000 dos 3.553 casos envolviam terceirizados. Na construção de edifícios, foram 75 falecimentos de terceirizados num total de 135 mortes. A terceirização tresloucada e desenfreada transforma a dignidade humana em responsabilidade de ninguém.
O colunista professor e membro da comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, Eduardo Sakamoto, solicitou três especialistas em direito do trabalho, para que explicassem as consequências negativas para os trabalhadores caso o projeto de lei seja aprovado.
Rafael de Araújo Gomes procurador do Trabalho da 15ª Região disse também que a consequência da aprovação de projetos sobre o tema em trâmite no Congresso Nacional é que poderá uma empresa, se assim desejar, terceirizar não apenas parte de suas atividades, mas todas elas, não permanecendo com qualquer empregado. Teríamos então uma empresa em funcionamento, com atividades econômicas, mas sem nenhum funcionário.
Tomemos, para melhor visualização de tal disparate, autorizado pelos projetos, o caso de um banco, empresa com capital social superior a R$30 bilhões e mais de 70 mil empregados.
Aprovada a terceirização nos moldes pretendidos, nada haverá na legislação que impeça os bancos de se livrar de todos os seus empregados, permanecendo com nenhum, mediante a terceirização de todas as funções. Se tal opção for economicamente vantajosa ao banco, ela poderá ser adotada. Teremos então uma empresa com capital social, faturamento e lucro da ordem de vários bilhões de reais, e nenhum empregado, ou seja, nenhum ônus trabalhista.
Parece o cenário com o qual sonharam os banqueiros de todas as épocas em seus devaneios mais loucos, não? Todos os lucros, e nenhuma responsabilidade, pois tal sonho de qualquer capitalista poderá enfim se transformar em realidade, em nome da modernidade, e da competitividade.
Renato Bignami, auditor fiscal do trabalho em São Paulo ao autorizar, via processo legislativo, a subcontratação da principal atividade de determinada empresa, sem que haja uma contrapartida jurídica de manutenção da garantia do equilíbrio contratual, a exemplo da responsabilização solidária, o legislador está dando um tiro de misericórdia no direito do trabalho.
E dizer que todas as relações irão se dar com base no direito civil/mercantil, privatistas ao extremo. Futuramente não haverá mais empregados. Quem irá contratar uma pessoa que reclama, que fica grávida, que falta ao serviço, que não abaixa a cabeça e atende a todo tipo de ordem, e que, além do mais, custa o dobro e possui direitos pétreos, como limite de jornada de trabalho e piso salarial? Irá naturalmente contratar uma quarteirizada e que, em última análise, também irá contratar um microempreendedor individual, por exemplo, sem que isso possa ser considerado fraude, à luz da legislação proposta pelo deputado federal Sandro Mabel.
Então, portanto, sr. presidente, se trata do extermínio total e completo dos riscos da atividade econômica sem que haja um mínimo de divisão dos lucro advindos, via valorização do trabalho. Nossa sociedade terá uma lei que valoriza a liberdade de empresa (princípio da livre iniciativa) ao extremo, sem garantir a proteção que o direito do trabalhador buscou construir, no decorrer dos últimos 90 anos.
No entanto, devemos sempre lembrar que a Constituição é clara, no art. 1°, Inciso IV, ao afirmar que o Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito que tem por fundamento os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, em iguais proporções.
Este PL n. 4330 subverte esse princípio e desregula a balança em nítido 'desvalor' do trabalho. Caso o PL seja convertido em lei será o caos e seguramente não colaborará nem para garantir segurança jurídica aos empresários e, muito menos, para construir a coesão social tão necessária nos dias de hoje, em que vemos a população sair às ruas clamando por melhores condições de vida.
Por fim, teremos a legislação mais liberal do mundo ocidental, mais ainda que a lei chilena, deputado Kennedy Nunes, e seguramente mais que qualquer ordenamento europeu (todos garantem, pelo menos, que haja solidariedade jurídica entre os elos). Iremos de encontro à Recomendação 198, da Organização Internacional do Trabalho, que sugere um maior nível de proteção com relação ao emprego, e uma valorização crescente do princípio da primazia da realidade como fundamental na determinação da relação de trabalho.
Enfim, sr. presidente, v.exa., como trabalhista que foi, brizolista, o PL legitima todo tipo de fraude a que estamos acostumados a denunciar e a atacar, no curso da atividade inspeciona um verdadeiro retrocesso.
O pior cenário é não haver nenhuma defesa ao direito de negociação coletiva e de representação sindical. Ao permitir o deslocamento de uma atividade estratégica da empresa para qualquer prestador de serviço, você está alterando de modo unilateral à formação dos contratos coletivos de trabalho e, por via indireta, dos contratos individuais.
Outra dimensão dramática é não estabelecer a solidariedade entre prestadores e tomadores. Se eles criam os riscos não podem ter limitação quanto à responsabilidade dos riscos em face de terceiros.
Então, sr. presidente, flexibilizar, precarizar as leis trabalhistas isso não pode acontecer no Brasil, porque quem acaba sendo o mais prejudicado é aquele que produz, é o trabalhador e sem dúvida nenhuma e aqueles que também promovem o emprego.
Meu grande abraço, sr. presidente.
Muito obrigado!
(SEM REVISÃO DO ORADOR)