Pronunciamento

Ada De Luca - 114ª SESSÃO ORDINÁRIA

Em 09/12/2014
O SR. DEPUTADO SARGETNO AMAURI SOARES - Sr. presidente, srs. deputados, quem nos acompanha pela TVAL e ouvintes da Rádio Alesc Digital, os presentes nesta tarde de terça-feira, estamos na penúltima semana legislativa da atual 17ª Legislatura, e sinto a necessidade de começar a me despedir desta tribuna, aliás, terei saudades desta tribuna.
Embora seja conhecido como um dos deputados mais falantes ou o que mais faz uso da tribuna, sinto e tenho a sensação de que falei pouco ou de que precisaria ter falado muito mais, ou pelo menos ter falado com mais precisão e com mais profundidade alguns assuntos que tivemos a oportunidade de trazer para cá.
Antes da despedida, no entanto, percebo que deixei algumas pendências nas últimas semanas em termos de uso desta tribuna. E quero retomar o tema que falava, na semana do dia 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, que marca o Dia da Consciência Negra no Brasil.
Eu falava dos cinco milhões e quinhentos mil africanos que foram capturados na África e trazidos para o Brasil, dos quais 4.800 estima-se que chegaram. 700 mil, portanto, morreram a caminho e sequer chegaram, porque foram descartados, muito provavelmente no mar, como se fossem coisas, como se fossem bichos. Aliás, a noção que se tinha do africano escravizado, o mesmo caráter jurídico de um animal de tração, cuja força de trabalho seria explorada por quem o adquirisse.
E este país imenso, hoje com mais de 200 milhões de habitantes, sendo que 10l milhões de habitantes são autodeclarados negros e pardos, ou seja, a maioria da população brasileira é composta por negros, embora o estado brasileiro historicamente tenha tentado mudar essa tendência e essa realidade.
Eu falei que o estado brasileiro pretendia "branquear a pele do povo brasileiro", e isso foi tese inclusive defendida por autoridades brasileiras, em congressos mundiais, dizendo que em 100 anos, para quem estava em 1911, o Brasil seria um país sem negros e com raros pardos.
Isso é um absurdo em todos os sentidos da palavra. Mas indica uma política do estado brasileiro, ao longo da história, no sentido de buscar evitar que o Brasil se constituísse numa nação de maioria negra, de origem africana. Essas não foram medidas ou intenções que hoje são consideradas crimes no Brasil, desde a Constituição de 1988, meramente ideológicas, racistas e preconceituosas, como se isso não bastasse para ter sido veementemente combatido. Essa vontade do estado brasileiro, ao longo da sua história, foi também uma vontade que se expressou por medida do governo, por medida de estado, na própria legislação, com o objetivo de reprimir, do ponto de vista econômico, a possibilidade dos ex-escravos, dos escravos que se tornaram livres, terem as condições econômicas, portanto, sociais, políticas e culturais, de terem um livre desenvolvimento no nosso país.
Eu citava e quero citar melhor a primeira Lei de Terra, de 1850, que foi criada pelo estado, pelo governo, por seu Congresso Nacional, ainda no Império, para evitar que os negros se tornassem proprietários de terra.
Até então não existia propriedade privada da terra no Brasil. Aliás, para quem pensa que eu estou falando um absurdo, há países vizinhos ao Brasil tão capitalistas quanto o Brasil, por isso cito a Argentina, onde não existe a propriedade da terra. A terra é patrimônio comum da nação, do povo. As pessoas têm o direito de posse do usufruto da terra.
É assim em vários países do mundo, e no Brasil também era até 1850. Por que no Brasil isso foi mudado? Porque como no Brasil havia uma maioria de escravos que pouco a pouco estavam se tornando libertos, se não se criasse uma lei não haveria a possibilidade de esses ex-escravos tornarem-se proprietários a partir da posse da terra, que aliás, através dos quilombos, a posse eles já estavam tomando.
Então, foi criada a lei de terras para dizer que é preciso pagar pela terra, que o estado que vende, repassa a uma colonizadora o direito de vender e vai adquiri-la quem tiver condições de pagá-la.
Ao mesmo tempo, o Brasil incentivou, de forma mais intensiva, a migração de europeus para o Brasil. A partir da segunda metade do século XIX, esse trabalho foi intensificado, prometendo e garantindo para esses imigrantes, para esses europeus a possibilidade do acesso a terra no Brasil. E as colonizadoras o fizeram.
Embora não tenham cumprido todas as promessas que fizeram para os alemães, italianos, poloneses, ucranianos que vieram para o Brasil a partir, principalmente, da segunda metade do século XIX, é preciso dizer que os negros brasileiros, os ex-escravos brasileiros, os filhos de escravos já nascidos libertos no Brasil jamais tiveram direito parecido. Pelo contrário, como já disse, foram criadas leis justamente para impedir que eles tomassem a posse da terra.
Esta é uma questão que nós, sulinos, precisamos refletir. Nós, aqui do sul, que talvez tenhamos uma parcela significativa ou até majoritária de brancos, de pessoas de origem europeia, precisamos refletir, porque essa não é a realidade da maioria do Brasil. E a maioria dos territórios brasileiros não foi conquistada desta forma, ou seja, com esse conjunto de incentivos que o estado ofereceu.
Repito: as promessas feitas aos imigrantes europeus no século XIX, na maioria, também não foram cumpridas. No entanto, os ex-escravos não tiveram direito sequer parecido com isso. Pelo contrário, a legislação buscou impedi-los do acesso a terra e, portanto, do acesso ao meio de sobrevivência, ao meio de subsistência e ao meio de produção.
Isso precisa ser registrado, porque temos um país deste tamanho, um país com todo este território, um país que vai até a Cordilheira dos Andes e se alarga ao norte numa distância muito maior em termos de latitude. Isso foi construído, isso foi conquistado principalmente pela força de trabalho escravo em quase 400 anos de escravidão.
Os nordestinos, também muitos mestiços, fizeram o Brasil desta largura que tem ao norte. E nós, daqui do sul, precisamos, no mínimo, entender isso, para termos um censo de brasilidade razoável, um censo de noção de nação que precisamos ter para se pensar o futuro desta sociedade.
O Brasil tem uma enorme dívida histórica com todos os seus afrodescendentes, e isso o estado precisa refletir nos próximos anos e nas próximas décadas, com certeza.
Muito obrigado!
(SEM REVISÃO DO ORADOR)