Pronunciamento

Luciane Carminatti - 022ª SESSÃO ORDINÁRIA

Em 03/04/2018
DEPUTADA LUCIANE CARMINATTI (Orador) - Cumprimenta todos os professores e as professoras presentes nas galerias da Casa, na presente data, demonstrando apoio no sentido de derrubar os vetos que atingem a classe do Magistério.
Reporta-se ao coletivo catarinense - Memória, Verdade e Justiça, o qual faz um trabalho grandioso relacionado à questão da ditadura militar em Santa Catarina.
Após fazer uma síntese da carta em comemoração ao 1º de abril, em Santa Catarina, do Dia Estadual do Direito à Verdade e à Memória, solicita que conste seu teor na íntegra.
(Passa a ler.)
"1º de abril em SC: Dia Estadual do Direito à Verdade e à Memória
A constituição de uma memória coletiva sobre o passado, principalmente sobre momentos históricos, nos quais o próprio Estado assassinou, torturou e desapareceu com pessoas, é fundamental para a construção de uma democracia real e solidificada.
O golpe civil-militar de 01 de abril de 1964 até 1985, trouxe consigo um regime de exceção através de uma ditadura violenta que fez 434 vítimas fatais, entre estas, 210 pessoas foram torturadas, mortas e tiveram seus corpos desaparecidos, além de milhares de brasileiros que foram perseguidos, sequestrados, presos, torturados, exilados e que vivem com as sombras deste triste passado até os dias de hoje.
A Comissão de Anistia, que atuou junto ao Ministério da Justiça, foi a responsável pela aplicação de políticas de reparação e memória para as vítimas da ditadura civil-militar no Brasil. Nesta comissão mais de sessenta e duas mil pessoas prestaram seus depoimentos, tendo sido vítimas da repressão sofrida durante o período de 1964 a 1985.
A Comissão Nacional da Verdade - CNV foi instalada em 2011, criada pela Lei n. 12.528/2011, trouxe em seu relatório final a comprovação da ocorrência de graves violações de direitos humanos. 'Essa comprovação decorreu da apuração dos fatos que se encontram detalhadamente descritos no relatório, nos quais está perfeitamente configurada a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e de tortura, assim como o cometimento de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasileiro', diz o texto. Mais de 300 pessoas, entre militares, agentes do Estado e até mesmo ex-presidentes da República, foram responsabilizadas por essas ações ocorridas no período que compreendeu a investigação. O documento diz ainda que as violações registradas e comprovadas pela CNV foram resultantes 'de ação generalizada e sistemática do Estado brasileiro' e que a repressão ocorrida durante a ditadura foi usada como política de Estado 'concebida e implementada a partir de decisões emanadas da Presidência da República e dos ministérios militares'. Este relatório final da CNV elaborou 29 recomendações de máxima importância para a defesa dos direitos humanos no país, as quais ainda não foram implementadas pelo governo.
Precisamos falar sobre a história real do país e conscientizar as novas gerações, para que aqueles não viveram aqueles dias de chumbo, conheçam a verdade.
Em 21 de dezembro de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas instituiu o dia 24 de março como o Dia Internacional do Direito à Verdade sobre graves violações aos direitos humanos e à dignidade das vítimas. A data remete a 24 de março de 1980, dia em que Dom Óscar Romero foi assassinado em El Salvador por sua luta na defesa da democracia e dos direitos humanos.
A definição do direito à verdade está diretamente vinculada a processos de transição em relação a eventos e períodos caracterizados por graves violações de direitos humanos, como o apartheid na África do Sul e as ditaduras militares em países latino-americanos. Assim, constitui tanto um mecanismo de reparação da dignidade das vítimas e familiares quanto uma prerrogativa da sociedade para que tais violações não se repitam. Portanto, é um direito ao mesmo tempo individual e coletivo.
No Brasil, este é o primeiro ano em que se incluiu a celebração no calendário oficial das datas comemorativas, Lei n. 13.605, de 09 de janeiro de 2018. Entretanto, nada temos a comemorar. Este é um dia de denúncia e protesto. Apesar dos resultados e recomendações do relatório da Comissão Nacional da Verdade, os avanços obtidos no acesso à verdade das generalizadas e sistemáticas violações aos direitos humanos durante a ditadura militar contrastam, de modo gritante, com a impunidade dos responsáveis e a permanência das práticas e do arcabouço institucional herdados daquele período sombrio de nossa história, como a Lei de Segurança Nacional, as polícias estaduais militarizadas, o conteúdo curricular das academias militares e policiais, as torturas, os desaparecimentos forçados e as execuções sumárias.
Nesse quadro, consequências diretas do processo de escalada golpista, da militarização do país e do estímulo à impunidade das forças policiais e militares adquirem materialidade, por exemplo, mediante a convocação do Exército para reprimir as manifestações de 24 de maio de 2017, em Brasília, contra as antirreformas trabalhista e da previdência; a sanção da lei que transfere para a Justiça Militar o julgamento de integrantes das Forças Armadas que cometerem crimes dolosos contra civis durante ações de Estado, Lei n. 13.491, de 31 de outubro de 2017; a intervenção militar no Rio de Janeiro; a proposta de expedição de mandados coletivos de busca e apreensão; o pronunciamento do Alto Comando do Exército de que militares 'precisam ter garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade', configurando um pedido de anistia antecipada às previsíveis violações dos direitos humanos durante a intervenção. Assim, torna-se vexatório que o Dia Internacional do Direito à Verdade seja inaugurado no Brasil cercado por afrontas oriundas do próprio Estado, que deveria promover e fortalecer esse direito.
Portanto, manifestamos nossa defesa não apenas à verdade, justiça, reparação, memória e dignidade das vítimas do passado, mas também do presente.
Em SC a Lei n. 16.549, de 2014, integra o calendário oficial de eventos em Santa Catarina, numa homenagem a todos os que lutaram contra a ditadura militar, instalada no golpe militar de 1° de abril de 1964. O Dia Estadual do Direito à Verdade e à Memória é para que os catarinenses não esqueçam, que todos saibam o que foram os anos de chumbo do regime militar. Para que não seja esquecida a invasão, pelo Exército, da Livraria Anita Garibaldi, em Florianópolis, de propriedade de Salim Miguel, ocasião em que queimaram todos os livros na Praça XV de Novembro. Um dia para lembrar os estudantes que participavam de um Congresso da Une, em dezembro de 1968, e que foram sequestrados pela Secretaria de Segurança Pública de SC, que os manteve preso na cadeia pública de Biguaçu, sem nenhuma ordem judicial.
O relatório da Comissão da Verdade SC, apurou um total de 702 pessoas detidas em Santa Catarina durante a ditadura militar. Dentre eles, estavam 84 camponeses, 30 mulheres, 130 sindicalistas e 52 advogados, além de duas crianças mantidas presas por meses em função de atividade política de seus pais. A maioria presa de forma ilegal, sem ordem judicial, desrespeitando os princípios básicos dos direitos humanos.
Foram dez catarinenses mortos pelos aparatos de repressão das policias militares e forças armadas e destes, os corpos de três catarinenses ainda estão dados como desaparecidos, entre eles está o do Deputado Estadual de SC Paulo Stuart Wright, eleito em 1962, que era ligado a movimentos populares e operários. Paulo defendeu esses ideais enquanto esteve na Assembleia, o que passou a incomodar outros membros e despertar a pressão por sua renúncia. No final de 1963, Paulo estava à frente de um projeto para organizar 27 cooperativas de pescadores no Estado, formando uma federação, a Fecopesca, com o objetivo de colocar o controle da pesca nas mãos dos pescadores. Além disso, denunciou o controle de grupos oligárquicos do Estado sobre a pesca.
Com o início do golpe em 1964 e a pressão em cima da Assembleia Legislativa, o mandato de Paulo foi cassado em 1964 sob a alegação de quebra de decoro parlamentar, por não usar paletó e gravata. Exilou-se no México e retornou ao país em 1965, vivendo de forma clandestina. A última vez em que foi visto, estava descendo de um trem com destino à Mauá. Foi sequestrado pelo 2° Exército em 01 de setembro de 1973, preso e levado ao temido DOI/CODI de São Paulo, no qual foi torturado e morto durante as primeiras 48 horas de cativeiro. De acordo com um dos amigos de Paulo, que também foi preso e levado ao DOI/CODI, a blusa do ex-deputado estava no chão da sala de interrogatórios, onde foi torturado. Sua morte não foi reconhecida e seu corpo nunca encontrado, permanecendo desaparecido até hoje.
O Dia Estadual do Direito à Verdade e à Memória é para que não esqueçamos aqueles que foram mortos por denunciar os desmandos e arbitrariedades do regime autoritário em vigor no país e defender o retorno à democracia.
Este dia foi criado para lembramos do que acontece quando se vive num regime autoritário, onde a lei é a força e o direito é a exceção.
Homenageamos neste dia a todos catarinenses que lutaram pela democracia e não estão mais entre nós, para que sempre nos lembremos que a luta deles também é nossa.
Derlei Catarina de Luca, de Içara, SC, faleceu em 18/11/2017. Era reconhecida no país como uma das principais vozes a denunciar os horrores praticados pela Ditadura Militar e trazia no corpo as marcas das intermináveis sessões de tortura a que foi submetida quando foi sequestrada e presa em 1969, em São Paulo. Quando saiu da prisão em 1970, para manter-se viva e criar seu filho pequeno, precisou buscar exílio em Cuba. Ao retornar ao Brasil com a Anistia, fundou e coordenou o Comitê Catarinense Pró-Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos, integrou a Comissão da Verdade de SC e organizou o Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça e seu Acervo Ditadura em SC, que hoje funciona junto ao Instituto de Documentação e Investigação em Ciências Humanas - IDCH, junto ao Centro de Ciências Humanas e da Educação - FAED da UDESC, na Rua Visconde de Ouro Preto, 457 - Centro de Florianópolis. Derlei militou ativamente no grupo nacional Tortura Nunca Mais e na construção da Rede Brasil, Memória, Verdade e Justiça. Sua partida nos deixa muita saudade.
Lembramos, aqui, dos catarinenses assassinados pelos algozes da ditadura civil-militar: - Arno Preis, de Forquilhinha, assassinado em Tocantins; - Frederico Eduardo Mayr, de Timbó, assassinado em São Paulo; - Hamilton Fernando da Cunha, gráfico de Florianópolis, assassinado em São Paulo; - Higino João Pio, prefeito de Balneário Camboriú, assassinado na capital de Santa Catarina; - Luiz Eurico Tejeda Lisboa, de Porto União, assassinado em São Paulo; - Rui Oswaldo Pfutzenreuter, de Orleans, assassinado em São Paulo; - Vanio José de Matos, de Piratuba, capitão da Polícia Militar, morto na ditadura do Chile; - Divo Fernandes D'Oliveira, marinheiro de Tubarão, desaparecido no Rio de Janeiro; - João Batista Rita, universitário de Criciúma, desaparecido no Rio de Janeiro; - Paulo Stuart Wright, deputado estadual na Alesc, de Erval Velho, desaparecido em São Paulo, no regime da ditadura.
Na ALESC, está na mesa diretora, o Projeto de Resolução n. 0006.7/2016, que restituirá simbolicamente os mandatos do vice-governador e dos deputados estaduais do Estado de Santa Catarina, cassados entre os anos de 1964 e 1969. Pedimos a aprovação deste PRS n. 0006.7/2016, que irá trazer a justiça de transição, através da política de reparação e memória para os familiares destes catarinenses que tiveram seus direitos políticos suspensos durante a ditadura.
Desde o golpe parlamentar-jurídico-midiático que retirou Dilma Rousseff da presidência da República, em 2016, a situação do país vem se agravando em todos os aspectos. Com o aprofundamento do neoliberalismo, como exigência de Washington/EEUU e do capital financeiro interno e externo, o país passou a apresentar um dos seus piores indicadores sociais, como o crescente aumento do desemprego - 14,2 milhões de desempregados, a precarização do trabalho com a reforma trabalhista aprovada no Congresso Nacional, o aumento da pobreza, da desigualdade e da exclusão social.
Houve o recrudescimento da violência no campo, atingindo trabalhadores rurais e povos indígenas. Em Mato Grosso, por exemplo, fazendeiros promoveram um massacre, assassinando nove agricultores de um assentamento. No Maranhão, jagunços feriram 13 indígenas. Dois tiveram as mãos decepadas e outros foram parcialmente esquartejados, enquanto um deputado do PTN, apoiador de Temer, dizia não aceitar a permanência deles naquela terra. Em Brasília, com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, um forte esquema militar reprimiu o protesto de quatro mil índios de 200 etnias diferentes.
Aqui em SC, a Terra Indígena Itaty, no Morro dos Cavalos, em Palhoça, que luta pela demarcação de suas terras, recentemente a mãe da liderança indígena teve sua mão decepada em uma invasão da aldeia e só não morreu porque foi socorrida a tempo.
Nos dias de hoje vivemos novamente em um estado de exceção. Juridicamente ele acontece em 'momentos de crise' e é determinado pelo presidente da República, com a suspensão do Estado de Direito, quando ficam suspensos os nossos direitos estabelecidos na Constituição Federal. O estado de exceção acontece quando o indivíduo não pode mais contar com a legislação para se defender.
Em fevereiro deste ano, vimos o presidente Temer assinar decreto de intervenção militar e manifestamos, aqui, o nosso mais veemente repúdio a esta intervenção militar na segurança pública no estado do Rio de Janeiro.
A Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro já se manifestou contra a intervenção militar, dizendo que 'precisamos de uma intervenção que nos traga a vida e não a morte. O Exército é treinado para matar e atuar em tempos de guerra. As favelas nunca declararam guerra a ninguém'.
Registramos a nossa preocupação com as consequências práticas dessa iniciativa e denunciamos os riscos da repetição de crimes verificados durante os trágicos 21 anos da ditadura civil-militar no Brasil. Não aceitamos a intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro, nem outra intervenção militar em qualquer instância da vida democrática nacional.
Apelamos a todos aqueles que ocupam cargos no Legislativo, Executivo e Judiciário, a todas as entidades sindicais, populares, democráticas e religiosas e a todos os movimentos e personalidades que defendem os direitos humanos, para que nos unamos na luta em defesa da democracia e de um país verdadeiramente livre, soberano.
COLETIVO CATARINENSE MEMÓRIA VERDADE E JUSTIÇA. Reuniões quinzenais na sala das Comissões da Alesc - 26/03/2018, às 17h30. Facebook Memória, Verdade e Justiça.
LEMBRAR PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA, PARA QUE NUNCA MAIS ACONTEÇA!".
Ao encerrar o discurso, faz uma reflexão em relação a manifestações que pedem a volta da ditadura militar, o que considera um retrocesso e posiciona que a democracia é o melhor regime para todos. Entende que o grande desafio é conviver com as diferenças, no sentido amplo e de forma respeitosa. [Taquígrafa: Sílvia]