Pronunciamento

Fernando Coruja - 092ª SESSÃO ORDINÁRIA

Em 04/10/2017
DEPUTADO FERNANDO CORUJA (Orador) - Senhora Presidente, senhoras e senhores parlamentares! Quero saudar também os alunos do estado de Santa Catarina que aqui comparecem.
No dia de ontem foi enterrado o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o Cao, e eu tive a oportunidade de participar do ato que houve em sua homenagem, e depois do velório e do seu enterro.
Luiz Carlos Cancellier, o Cao, era reitor da universidade, e particularmente um amigo de longa data, pois militamos por longo tempo juntos, num partido político, e, inclusive, ele trabalhou comigo como assessor jurídico quando fui Secretário Estadual da Saúde.
Então, perdi um amigo e entendo que Santa Catarina perdeu uma grande liderança política-educacional, e que, segundo todos os relatos, mesmo sendo adversários políticos, fazia um bom mandato na Universidade Federal de Santa Catarina, um mandato que respeitava a diversidade, que respeitava as ideologias, o debate ideológico, e que respeitava, fundamentalmente, o outro, como deve fazer qualquer autoridade neste país.
Foi acusado de obstrução da justiça, por um processo que desconheço o seu teor, mas sei da acusação, que foi obstrução da justiça. Por conhecê-lo, sei que provavelmente esta obstrução da justiça deve ter acontecido mais ou menos da seguinte forma - alguém chegou lá dizendo que tinha um problema passado, uma confusão, e ele deve ter dito para tratar para frente, cuidar da universidade, tratar da universidade e esquecer o que passou. Presumo que deve ter sido mais ou menos assim. Mas isso é um processo que está correndo, e vai continuar correndo, evidentemente, porque vai correr independentemente da não mais presença do Cao no nosso meio.
Mas ele foi preso, e sobre a prisão eu posso falar. A prisão temporária na situação colocada certamente foi um exagero. Talvez tenha sido autoritária, talvez tenha sido abusiva. Eu digo isso porque a prisão, o próprio Direito Penal, deputado Altair, é chamado de a última ratio, o Direito Penal funciona pelo princípio da intervenção mínima, e a prisão, que é a pena mais defendida muitas vezes pelas pessoas naquele ímpeto de vingança, ela deve ser utilizada em situações muito especiais, principalmente quando não se tem ainda culpa formada.
A prisão, inclusive, no Brasil, é uma espécie de pena, e uma pena perpétua, porque, quando o sujeito é preso, aquele estigma o acompanha pelo resto da vida. Então, na prática, prender é uma penalidade antecipada, e o Brasil tem abusado. Sob o pretexto de que há impunidade, sob o pretexto que pode haver, sob o pretexto que o mundo está muito atabalhoado, principalmente na política, e tem uma roubalheira danada, está se exagerando na prisão temporária e na prisão preventiva. E se prende por qualquer motivo, está banalizada a tal prisão temporária.
Então, digo que esta prisão, sem dúvida nenhuma, foi um exagero, pelas circunstâncias, pelo que está colocado, independente de conhecer o teor do que lá aconteceu. Esta pena, que é uma pena perpétua, atenta contra a dignidade da pessoa humana. A prisão liquida com a honra, esta pena antecipada cria na pessoa, num país como o Brasil, onde as pessoas tem uma ânsia de prender. É muito comum ver notícias na mídia, relatando fatos acontecidos, que finalizam com a afirmação de que ninguém foi preso, como se prender fosse a solução.
A prisão, e aqui temos estudantes, é uma situação de extrema degradação. Quando se fala que vai se reabilitar na prisão, é certamente uma mentira, porque o povo já não reabilita. Quando o sujeito é preso uma vez, não há reabilitação, porque é da índole da população brasileira não perdoar nesta situação.
Bom, após a prisão, ele foi liberado. Foi liberado logo a seguir por outra juíza. Mas após ser liberado, foi impedido de comparecer à universidade, de reassumir o cargo. Impedido de comparecer a universidade! Ele morava ali na frente, uma pessoa sem posses, nem carro tinha, tem um apartamento e, não sei se é dele. Foi impedido de comparecer a universidade, sendo permitido que comparecesse apenas no sábado, por duas horas e meia, para orientar uns alunos.
Isso levou, presumo eu, a uma situação de se encontrar sem saída, sem saída no sentido de que sabia que se voltasse para a universidade, mesmo que conseguisse juridicamente, no futuro, provavelmente seria lá um morto-vivo, dentro da universidade. Sabia que a sociedade, por causa da pena de prisão, que é uma pena perpétua, acaba olhando para as pessoas de maneira atravessada.
Eu liguei para ele umas duas vezes, conversamos, e pareceu-me que estava sereno, mas, ao que parece, sentiu-se sem saída. O sem saída, que o levou ao suicídio, não é, entretanto, e aí eu posso falar, como político, como amigo pessoal dele, e como médico, não foi um sem saída do sujeito deprimido, que não vê como sair e comete um suicídio, o que é comum. A causa mais frequente de suicídio é a depressão, a pessoa se mata porque não encontra a saída, fico deprimido e não vê saída. Às vezes uma saída pode ser possibilitada por um remédio. Mas não vê saída e suicida-se.
O suicídio é um dos temas mais complexos que existe na Medicina e na Filosofia, aliás, o pensador francês, franco-argelino, Albert Camus, que ganhou o Premio Nobel de Literatura em 1957, escreveu vários livros, e dizia que a única coisa que vale a pena filosofar é o suicídio, porque o suicídio é uma questão complexa, o sujeito decide tirar a própria vida.
Ele não se suicidou, a aí volto a dizer, como médico, e conhecendo o Cao, por estar deprimido, para fugir dos problemas. Suicidou-se, em minha opinião, na procura da resgatar a sua honra. É muito comum em alguns países, por exemplo, no Japão, muita gente se suicida para resgatar a honra.
No Japão, eu estava vendo uma estatística, deputada Ana Paula, em 2014 seis pessoas foram assassinadas. Mas lá tem suicídio para resgatar a honra, muito mais do que homicídio. Ele se suicidou para resgatar a honra, porque ele sabia, como jurista, como mestre, doutor em Direito, e como jornalista, porque também era formado em Jornalismo, um político, capaz de perceber que iria acontecer o que aconteceu. Uma comunidade que, de repente, estava se afastando dele, de imediato se aglutinou em seu nome. E ontem, lá no ato, nós tivemos os discursos mais fortes que poderíamos ter, do senador Nelson Wedekin, do desembargador Lédio, de todas as pessoas, na defesa dele, de um conciliador, porque era o estilo dele, um conciliador, que sempre procurava ver as coisas da forma positiva, levando para frente, para produzir.
E ele sabia também, afastado da universidade, lá não podendo entrar, que talvez a única forma de ele voltar, e ele voltou para a universidade, era morto. Conseguiu entrar na universidade morto. Conseguiu entrar no lugar que ele gostava, que amava, morto, num caixão. Como Getúlio deu um tiro e disse que ia entrar para a história, o Cao também entra para a história, e vai entrar porque o debate vai começar a partir de agora, de certas questões que estão acontecendo, mas entrou para a história e entrou na universidade. Morto, mas entrou na universidade.
E o suicídio dele não foi um ato de desespero, talvez tenha sido um ato político, o ato daquele que acredita que o país, o nosso Brasil, está caminhando para um nível perigoso de autoritarismo, e vejam que não quero culpar ninguém, porque não são as pessoas, às vezes. Não é questão de procurar culpados, é perceber que as instituições, por sua natureza, estão ficando desta forma, autoritárias, abusivas, e abusando do direito à liberdade!
Na ditadura militar ninguém ousaria prender o reitor de uma universidade! Na ditadura! Ninguém ousaria prender um reitor! Agora, se ousou prender o reitor por uma "obstrução da justiça".
Então, o meu amigo Cao, que suicidou-se, e veja deputado Valduga, eu não sou daqueles que estou dizendo que lamento a morte do meu amigo, não deveria ter feito isso. Talvez eu entenda que ele foi bem! Não vou ficar naqueles que simplificam! Acho que ele tomou uma atitude típica dele, de coragem, de bravura, não foi um suicídio depressivo, não foi o suicídio do covarde, não foi o suicídio de quem não encontrou saída, foi o suicídio de quem queria entrar na universidade, fazer um ato político, e como alguns já disseram, dar uma última aula. Que esta aula que ele nos deu sirva para nós, para as instituições, para aqueles que puderam ouvir o que aconteceu. Ouvir o barulho da sua queda no shopping, e que o barulho da sua queda no shopping tenha algum significado para que o Brasil avance para ser como ele defendia, um Brasil mais aglutinado e que olhe o futuro, que construa o futuro, que caminhe em direção ao futuro.
Foi uma bela aula, camarada Cao! Um grande abraço!(SEM REVISÃO DO ORADOR) [Taquígrafa: Sara]