Pronunciamento

Ana Paula Lima - 021ª SESSÃO EXTRAORDINÁRIA

Em 03/08/2010
A SRA. DEPUTADA ANA PAULA LIMA - Sr. presidente, srs. deputados, público que nos acompanha pela TVAL e pela Rádio Alesc Digital.
Sr. presidente, o tema que trago nesta tarde de terça-feira vem-nos angustiando há muitos dias.
(Passa a ler.)
"Como presidente da comissão dos Direitos Humanos desta Casa, acompanhei o drama de diversas famílias que ocupam uma área de terra no município de Imbituba. Essas famílias, compostas de pequenos agricultores e pescadores artesanais, vivem de uma produção numa área de terra que estava em litígio judicial. Infelizmente, o Poder Judiciário determinou a reintegração de posse da área em que essas famílias vivem e produzem por muitos anos a uma empresa da região de Imbituba.
Essa reintegração, sr. presidente, foi executada por um grande contingente de policiais militares, que demoliram as residências daquela comunidade. E ressalto isso, porque várias pessoas daquela localidade estão a nos ligar desde sexta-feira passada. Foi usado um grande aparato policial para esse tipo de ação em Santa Catarina. A Polícia apareceu com cavalaria, com grande armamento. Mas quando é para garantir a segurança da população, a Polícia não existe. Ações desse tipo são lamentáveis.
Quero registrar que a comissão de Direitos Humanos desta Casa recebeu em audiência pública a comunidade do Areias da Ribanceira, do município de Imbituba. Fomos até aquela localidade juntamente com os deputados Décio Góes e Kennedy Nunes e testemunhamos que se trata de uma comunidade tradicional de homens e mulheres simples, mas com uma grandeza extraordinária."
Inclusive, houve vários depoimentos, que nos deixaram emocionados, de pessoas que nasceram naquela terra, que vivem lá, depoimentos sobre seus antepassados. Essas pessoas estão à mercê de uma ação judicial e da Polícia Militar do estado de Santa Catarina.
Nós, como membros da comissão, realizamos algumas ações, como ir a Porto Alegre conversar com o Poder Judiciário. Fizemos contanto com o Supremo Tribunal de Justiça, manifestando a nossa indignação pela forma como os nossos cidadãos estavam sendo tratados.
Srs. parlamentares, trata-se de uma população tradicional, cujas famílias são em sua maioria descendentes de açorianos e indígenas, que construiu naquela área um modo específico de criar, de trabalhar, de viver, que garante a sua reprodução física, social, cultural, combinando a pesca artesanal, o cultivo da mandioca, a extração de plantas nativas, como o butiá e as plantas medicinais/ornamentais.
A dra. Raquel Mombelli, antropóloga, da Universidade Federal de Santa Catarina, está realizando o projeto de pesquisa Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais, na comunidade dos agricultores e pescadores artesanais de Areais da Ribanceira, em Imbituba, no estado de Santa Catarina.
A comunidade de Areais da Ribanceira é formada por famílias que se reconhecem em sua maioria como parentes, cujas lembranças indicam que o processo de uso e ocupação daquelas terras, daquele lugar, remonta ao século XIX.
O sábio conhecimento tradicional que essas famílias detêm suscitou também o interesse de pesquisadores vinculados ao laboratório de ecologia humana e etnobotânica da Universidade Federal de Santa Catarina, que atualmente desenvolvem pesquisas internacionais sobre o tema, que já está sendo reconhecido por pesquisadores internacionais. Como exemplo, cito o Projeto Internacional sobre Manejo Comunitário de Biodiversidade dos Areias da Ribanceira, envolvendo pesquisadores de países como Holanda, Nepal, Índia, Etiópia e França.
Essa forma única, sr. presidente, de lidar com a terra e o mar, a partir de conhecimentos tradicionais, produz uma noção de pertencimento ao local e precisa ser protegida. Tanto é que desde a década de 1970 essa comunidade luta pelo direito ao acesso a recursos naturais e à ocupação para a agricultura tradicional daquelas terras."
Por isso, é lamentável a decisão da juíza do município de Laguna, a decisão do Tribunal Regional em Porto Alegre e a decisão do Superior Tribunal de Justiça, de dar de novo a reintegração de posse dessas terras à empresa Engesul.
(Continua lendo.)
"A autoconsciência cultural e ambiental dos povos de Areias da Ribanceira produziu e continua produzindo uma forma própria de exploração e preservação dos recursos hídricos e florestais daquela região.
No entanto, esse modo de vida tradicional, essa relação única estabelecida com aquele território, está constantemente ameaçado por diferentes fatores (lamentável também), sobretudo pelos seus antagonistas (empreendedores industriais, grandes plantadores, especulação imobiliária), que têm sistematicamente ferido os direitos dessa comunidade tradicional, no que diz respeito ao exercício do direito cultural, ou seja, o direito de viver de acordo com os seus próprios sistemas de valores, tradições e crenças, direito esse previsto na Constituição Brasileira de 1988."
Por isso, sr. presidente, como presidente da comissão de Direitos e Garantias Fundamentais, de Amparo à Família e à Mulher, desta Casa, nós continuamos na luta, na defesa daqueles agricultores e pescadores artesanais, por entender que essas pessoas não têm mais para onde ir.
Estaremos amanhã em reunião com o Incra, juntamente com o deputado Décio Góes, na tentativa de buscar uma solução para esse grave impasse. Apelamos, e já foi telefonado, ao secretário da Segurança Pública, dr. André, que aguarde as negociações tanto com o Incra como com a prefeitura, que ocorrerão na próxima sexta-feira, para que evite a violência, o confronto com essa comunidade de homens e mulheres que já sofreram muito em suas vidas, pois a única coisa que lhes pertence é a plantação de mandioca, a pesca artesanal, dando-lhes o sustento.
É preciso que se preserve o engenho e também a sede da associação construída por esses bravos homens e bravas mulheres. E foi com o suor e a luta dessa gente que o engenho e essa associação que está lá naquele terreno se mantiveram.
Sr. presidente, era isso que tinha a relatar, na tarde de hoje. Nós estamos, sim, defendendo aqueles agricultores, aqueles pescadores artesanais. E esperamos que os policiais militares esperem as negociações com o Incra e a prefeitura do município de Imbituba, para que aqueles homens e aquelas mulheres trabalhadoras tenham tranquilidade.
Muito obrigada.
(SEM REVISÃO DA ORADORA)